sábado, 27 de agosto de 2011

A aquisição da linguagem pela criança surda




  Alguns anos após a inclusão da língua de sinais nos estudos lingüísticos, foram iniciadas pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos. 
 Essas crianças têm a oportunidade de acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao acesso que as crianças ouvintes naturalmente têm em uma língua oral-auditiva. Frisa-se a palavra "oportunidade" porque representam apenas 5% das crianças surdas, ou seja, 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, os quais, quase sempre, não dominam uma língua de sinais. No Brasil, a LIBRAS começou a ser investigada em estudos na década de 80 e a aquisição da LIBRAS nos anos 90.
Estudos da aquisição da linguagem infantil realizados nas línguas de sinais e nas línguas orais revelaram a presença de algumas generalizações interlingüísticas e intermodais em relação à produção dos primeiros sinais e em relação ao desenvolvimento do vocabulário. Tais estudos trouxeram para discussão a precedência de aquisição de sinais em relação à aquisição de palavras no período de aquisição da linguagem. Definiu-se que a aquisição dos primeiros sinais representa o limite entre os estágios pré-lingüístico e o lingüístico. Logo, considerando que o processo de aquisição das línguas de sinais é análogo ao processo de aquisição das línguas faladas, os próximos tópicos apresentam os estágios de aquisição adotados nos estudos sobre a aquisição da linguagem em geral.

 

Período pré-lingüístico

O período pré-lingüístico se estende do nascimento ao início dos primeiros sinais. De acordo com estudos a respeito do balbucio em bebês surdos e bebês ouvintes no mesmo período de desenvolvimento, verificou-se que o balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os bebês, surdos e ouvintes, decorrente da capacidade inata para a linguagem. Observou-se que essa capacidade inata é manifestada não apenas por meio de sons, mas também através de sinais. Nos bebês surdos foram detectadas duas formas de balbucio manual: o balbucio manual silábico e a gesticulação. O primeiro apresenta combinações que pertencem ao sistema lingüístico das línguas de sinais. A gesticulação, ao contrário, não apresenta organização interna. Os bebês surdos e os bebês ouvintes apresentam os dois tipos de balbucio até um determinado estágio e desenvolvem o balbucio da sua modalidade. É por isso que os estudos afirmavam que as crianças surdas balbuciavam (oralmente) até um determinado período. As vocalizações são interrompidas nos bebês surdos assim como as produções manuais são interrompidas nos bebês ouvintes.
As semelhanças constatadas na sistematização das duas formas de balbuciar sugerem a existência no ser humano de uma capacidade lingüística inata que sustenta a aquisição da linguagem independentemente da modalidade da língua, isto é, seja ela oral-auditiva ou espaço- visual.
A percepção visual configura-se como um aspecto de extrema relevância no desenvolvimento da criança surda. Inicialmente ocorre contato visual entre os interlocutores e, então, o bebê surdo com a atenção visual voltada para a face do interlocutor, capta indícios sutis no rosto que lhe servirão para atribuir significado aos sinais de sua língua. O uso de expressões faciais, a repetição de sinais e a utilização de movimentos mais lentos e amplos na articulação dos sinais são estratégias utilizadas pelos pais para atraírem a atenção visual dos bebês surdos. A produção manual, no período pré-lingüístico corresponde à produção do que é denominado balbucio manual, pelo apontar e pelos gestos sociais - acenar, mandar beijos, bater palmas, etc.

Estágio de um sinal

O estágio de um sinal começa por volta dos 12 meses da criança surda até os 2 anos de idade. A hipótese de que a aquisição da língua dos sinais teria início antes da aquisição das línguas orais causou discussões entre pesquisadores sobre a questão da iconicidade nas línguas de sinais, sobre o desenvolvimento motor das mãos, sobre a questão da visibilidade dos articuladores e a interferência dos pais na produção dos sinais. Petitto argumenta que a criança simplesmente produz gestos que diferem dos sinais produzidos por volta dos 14 meses, classificando tal produção gestual como pertencente ao balbucio, do período pré-lingüístico. As crianças surdas com menos de 1 ano, assim como as crianças ouvintes, apontam freqüentemente para indicar objetos e pessoas. Mas quando a criança entra no estágio de um sinal, o uso da apontação desaparece. Nesse período parece ocorrer uma reorganização básica em que a criança muda o conceito da apontação inicialmente gestual (pré-lingüística) para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais (lingüístico).

Estágio das primeiras combinações

As primeiras combinações de sinais surgem por volta dos 2 anos nas crianças surdas. Nem todos os verbos da ASL (American Sign Language) podem ser flexionados a fim de se marcarem as relações gramaticais em uma sentença. Existem verbos que apresentam inviabilidade na incorporação dos pronomes como, por exemplo, os verbos GOSTAR e PENSAR na LIBRAS. Dessa forma, as crianças surdas precisam adquirir duas estratégias para marcar as relações gramaticais: a incorporação dos indicadores e a ordem das palavras. A incorporação dos indicadores envolve a concordância verbal, e essa depende diretamente da aquisição do sistema pronominal.
No estágio das primeiras combinações de sinais, as crianças começam a usar o sistema pronominal, porém de maneira inconsistente. Ocorrem 'erros' de reversão pronominal, exatamente como acontece com crianças ouvintes. As crianças utilizam a apontação direcionada ao receptor para se referirem a si mesmas. Pode ser surpreendente constatar esse tipo de erro nas crianças surdas em virtude da aparentemente nítida correspondência entre a forma de apontação e o seu significado. Contudo, esse tipo de erro e a evitação do uso dos pronomes do estágio anterior são fenômenos diretamente relacionados com o processo de aquisição da linguagem. A despeito da aparente relação entre forma e significado da apontação, a compreensão dos pronomes não é óbvia para a criança dentro do sistema lingüístico da ASL, diante das múltiplas funções lingüísticas que apresenta. Na LIBRAS, observou-se a combinações de sinais, geralmente envolvendo de dois a três sinais. Ocorrem omissões do sujeito, mas não do objeto. Na LIBRAS, são utilizadas formas “congeladas” dos verbos com concordância e o uso adequado dos pronomes estabelecidos no espaço de sinalização.

Estágio das múltiplas combinaçõe

Por volta dos 2 anos e meio a 3 anos, as crianças surdas apresentam a “explosão do vocabulário”. Começam a ocorrer as chamadas distinções derivacionais (a diferenciação entre CADEIRA e SENTAR, por exemplo).O pleno domínio dos recursos morfológicos da língua é completamente adquirido por volta dos 5 anos de idade. A criança surda ainda não utiliza os pronomes para referir-se aos objetos e às pessoas que não estejam presentes fisicamente. Usa substantivos não associados com pontos no espaço. Mesmo quando a criança realiza tentativas de identificação de pontos no espaço, apresenta falhas de correspondência entre a pessoa e o ponto espacial.

 Com os referentes presentes no discurso já ocorre a utilização consistente do sistema pronominal. Dos 3 anos em diante, passa-se à utilização do sistema pronominal com referentes ausentes no contexto do discurso. Contudo, ainda registram-se erros. De 3 anos a 3 anos e meio, as crianças usam a concordância verbal com referentes presentes. Não obstante, flexionam alguns verbos de forma inadequada nas línguas de sinais, num fenômeno análogo a generalizações verbais como 'fazi', 'sabo' e ‘gosti’ na língua portuguesa.
Por volta dos 4 anos, a concordância verbal ainda não é praticada adequadamente. Somente entre 5 e 6 anos, as crianças tornam-se capazes de flexionar os verbos corretamente. Pode-se concluir que o processo de aquisição da língua de sinais pelas crianças surdas ocorre num período análogo à aquisição da língua oral-auditiva em crianças ouvintes. Desse modo , os estudos de aquisição da linguagem indicam universais lingüísticos.

Aprendizado, pelos surdos, da língua portuguesa escrita

Grande parte do grupo de surdos e deficientes auditivos utiliza a língua de sinais para se comunicar e tem grande dificuldade para aprender a Língua Portuguesa. Isso porque a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), sua língua-mãe, é gestual-visual, utilizando como meio de comunicação movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão, enquanto a Língua Portuguesa é oral-auditiva.

Disponível em http://www.jorwiki.usp.br/gdmat08/index.php/As_m%C3%A3os_como_linguagem:_cegos,_surdos_e_mudos

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