sexta-feira, 17 de junho de 2011

Pessoas Com Deficiência E Suas Necessidades Vitais: Orientações Sentimentais, Amor e Sexo Psicologia e Deficiência – Professor Emílio Figueira


Até os 13 ou 14 anos, a criança com deficiência certamente terá uma vida normalizada, com brincadeiras e tudo que sua infância poderá lhe oferecer. Mesmo porque, ela não ligará se algum amigo lhe fizer uma piada, chamar-lhe de nomes pejorativos (aleijadinho, ceguinho, etc.) e brincará, mesmo se for do seu jeito. Ela tem quem pense, cuide e se responsabilize por si. Nunca é demais lembrar um pouco da Psicologia do Desenvolvimento. Na adolescência ocorrem as modificações fisiológicas, o amadurecimento sexual, transformações corporais, tanto no moço, quanto na moça. As funções afetivas voltam a preponderar mais ativamente numa construção de identidade que passa a ocupar o primeiro plano. Surgem as ambivalências de atitudes nas experiências e necessidades novas, embora ainda confusas; desejos de posse, atração pelo sexo oposto, procurando um ideal para completar a sua pessoa. Conhece novas formas de amar e desejar alguém além dos laços familiares. Necessidades de conquistas, aventuras, independência, ultrapassar a vida cotidiana, surpreender-se, unir-se a outros jovens com os mesmos ideais. Ter amigos para suas confidências, enquanto cartas de amor em seu caderno misturam-se com as lições escolares.
           
Fase marcada por rupturas, inquietudes, ambivalências de atitudes e sentimentos, o jovem passa a se opor aos hábitos da vida e costumes traduzidos na busca da consciência de si, na integração do novo esquema corporal e na apropriação de sua identidade adulta. Desperta-se sua consciência social e política. Um descontentamento e o desejo de transformação, o famoso “Querer mudar o mundo!”. Emite altas críticas ao modelo hipócrita dos valores ditos burgueses.  Ao mesmo tempo, o jovem passa a ter dúvidas metafísicas e científicas, traçando muitos questionamentos.
Para quem não tem algum tipo de deficiência, ao entrar na idade da puberdade poderão surgir problemas e começam a se formar “grilos” de transa com seu corpo. Para quem tem uma deficiência, a adolescência pode ser um pouco mais crítica.
Problemas surgirão porque a sociedade, em geral, impõe certos valores socioculturais, nos quais os homens têm que ser musculosos e viris e as mulheres têm que possuir curvas mais acentuadas em seus corpos. Para a sociedade, os corpos das pessoas têm de estar em perfeitas condições (física e intelectual) para responder a essas solicitações socioculturais. Na adolescência, a pessoa passará a ser “gente grande”, respondendo às responsabilidades de sua idade. Se seu corpo apresentar algo que se desvie do normal, encontrará problemas para se integrar na sociedade e exprimir os seus desejos sexuais. Sendo assim, é levado a segundo ou até a terceiro plano.
           
Hoje, o mundo está todo voltado aos seres perfeitos. Ao ligarmos a televisão, homens e mulheres exibem seus belos corpos e, nas revistas masculinas (que hoje são muitas no mercado), mulheres (verdadeiras gatas) expõem sua nudez provocante, excitando a sexualidade de todos. Os meios de comunicação ditam os modelos a seguir, o perfeito, o ideal, o que devemos fazer para sermos aceitos no grupo, no clube, pelos colegas, pelas mulheres, pelo namorado. É verdade que ninguém consegue ser totalmente livre de pressões e influências culturais. A ideia de perfeição mostrada pelos meios de comunicação e pela publicidade é falsa. Trocando em miúdos, todo esse “sex-shop” dos meios de comunicação despertam o extinto sexual do jovem com deficiência e, muitas vezes, colabora para que se angustie em face de seu problema.
Pode acontecer que uma pessoa sem deficiência se interesse por outra que possui alguma deficiência, seja ela física, mental, auditiva, visual ou múltipla. Via de regra, enfrentará problemas em sua família e com alguns de seus amigos. Só que a pessoa com deficiência também sofrerá problemas familiares, uma vez que seus pais podem não aceitar, de início, que alguém que sempre esteve aos seus cuidados esteja apaixonado(a) por seu(sua) filho(a) podendo, num futuro, naturalmente distanciar-se do convívio familiar diário, visando levar uma vida de casal de namorados, sair, passear, divertir-se. Muitos relacionamentos não deram certo por esses motivos.
Do mesmo modo, pode haver uma resistência de aceitação muito grande por parte da família da pessoa sem deficiência, ocorrendo boicotes ao relacionamento de forma sutil ou até mesmo evidente. Segundo li num artigo do psicólogo Fabiano Puhlmann (e tomo a liberdade de aqui reproduzir livremente), “imagine aquela mulher com deficiência física severa, com certo grau de dependência geral dos pais, os quais não se colocam diretamente contra o namoro, mas inventam regras impossíveis de ser cumpridas, como proibição do namoro em casa, falta de colaboração no transporte, chegando até a chantagens financeiras. (...). Algumas vezes acontece o oposto, a mulher que se envolve com um portador de deficiência física e percebe com espanto que, ao contrário de seus outros namorados, este é tratado com total e irrestrita aceitação, chegando até ao exagero, a família adota o novo membro sem restrição, tornando-o, com o tempo, um pseudofilho... Nestes casos, a relação também fica comprometida, o casal vai se tornando meio-irmão”.
Os que conseguem romper essas dificuldades iniciais provam à família e aos amigos que são capazes de amar e de serem amados e, aos familiares, provam que o relacionamento está fazendo bem aos filhos que eles tanto amam.
Um relacionamento amoroso pode acontecer entre pessoas com deficiência: casais de cegos muito felizes, casais de surdos. Atualmente, estão realizando casamentos entre pessoas com deficiência mental, com síndrome de Down, as quais passam a morar sozinhos, contando com o acompanhamento próximo de familiares.
                           
As pessoas com deficiências mentais
Houve época que a sexualidade era assunto proibido para pessoas com deficiência, tanto por parte dos pais, como dos profissionais que lidavam com elas e que quase nunca estavam preparados para tratar do assunto. Um fato ignorado ou pelo menos não aceito por esses pais, é que seus filhos possuem sexualidade. Para muitos, a criança com uma sequela e limitações não terá tais manifestações. E é aí que muitos se enganam. Reprimir essa sexualidade não faz com que ela desapareça, mas tal repressão pode colaborar para aumentar sua angústia ou agressividade, alterando o equilíbrio emocional desses jovens, diminuindo suas possibilidades de um desenvolvimento melhor. Já há pesquisas comprovando que essas pessoas anseiam por uma relação afetiva, sendo capazes de aprender a lidar com sua própria sexualidade, um fator importante para o desenvolvimento da personalidade. Dependendo do grau de sua deficiência, compreendem e adquirem parâmetros para discernir o que é adequado ou não, o que é privado ou público, o que se tem permissão de tocar em partes íntimas e, ainda, entender as consequências do ato sexual.
           
Os desejos e manifestações sexuais nascem naturalmente com as pessoas, quer tenham deficiências ou não. Tais satisfações são naturais como comer quando se tem fome, beber quando se tem sede ou ir ao banheiro quando se tem vontade. Por meio da sexualidade há a expressão de sua afetividade, capacidade de estar em contato consigo e com os outros na construção de sua autoestima e autoconfiança.
A masturbação dessas pessoas é algo inevitável. Não há uma idade certa para o início, pois até alguns bebês já foram vistos se masturbando. A masturbação talvez seja a única forma de aliviar suas tensões sexuais. E, se punido por isso, poderá complicar a situação emocional para essas pessoas.
Certamente, a criança/jovem com deficiência mental de maiores graus não terá relações sexuais com outros parceiros. É
possível que a masturbação ocorra mais vezes que os demais. Isso porque se tem bem menos atividades e tenta ocupar o tempo com algo que lhes satisfaçam. Se sua rotina for aumentada com outras atividades (TV, jogos, passeios), seu interesse sexual certamente diminuirá.
                      
Namoro e orientação sexual
Entre as pessoas com deficiência mental é comum elas confundirem amizades com namoro, mas quando ele realmente ocorre, o desejo sexual nem sempre pode estar presente na relação. Mesmo assim, via de regra, haverá dificuldades de aceitação dos familiares, bem como os riscos que terão de assumir. A gravidez é uma dessas preocupações, esbarrando no nível de independência dessas pessoas. Se essa gravidez ocorrer, dependerá da vontade e condição da família em assumir a supervisão das atividades do casal e da criança, provavelmente para sempre.
Alguns profissionais e/ou instituições especializadas que lidam com clientela com deficiência mental também cometem o erro ao considerá-los assexuados, sem nenhum autocontrole ou capacidade mínima de entendimento ético e social. Culturalmente, ainda pessoas com deficiência mental são vistas como eternas crianças, merecedoras de piedade, que devem ser tratadas com benevolência e de forma paternalista. Nas instituições, os profissionais reclamam pela falta de normas claras sobre quais atividades sexuais podem e devem ser permitidas. A orientação sexual, quando existe, não vai ao encontro das necessidades reais dessa clientela. Esses preconceitos e tabus dificultam um pouco a inclusão de atividades para a educação sexual nas instituições e/ou entre os familiares.
Meninos precisam ser informados por ocasião da adolescência sobre a ejaculação, assim como meninas necessitam de orientação sobre como lidar com a menstruação, ambos precisam ser informados sobre as mudanças pelas quais estão passando. Mesmo tendo um nível diferenciado na capacidade de aprendizado, na independência, estabilidade emocional e habilidade social, podemos e devemos incluir a orientação sexual na educação geral das pessoas com deficiências mentais, integradas à estimulação sensório-motora, intelectual e das capacidades adaptativas ao meio social, de modo natural. As últimas décadas mostram-nos uma melhoria contínua dos cuidados à saúde e à inclusão social que essa clientela vem alcançando, uma vez que são capazes de viver integrados na comunidade e, portanto, expostos a riscos, liberdades e responsabilidades.
É comum surgir ambiguidades de conduta e de orientação entre os pais e profissionais, com conflitos, atitudes incoerentes, frustração, angústia. Caberá em nossas intervenções enquanto psicólogos, orientar pais e os profissionais que assistem pessoas com deficiência mental que a vivência sexual deles, quando bem-conduzida, melhora o desenvolvimento e equilíbrio afetivo, incrementa a capacidade de estabelecer contatos interpessoais, fortalece a autoestima e contribui para a inclusão social.
Outros aspectos
Uma coisa é certa: Para as pessoas “ditas normais” existem dificuldades em relação ao sexo, tais como timidez, medo da concepção, tabus herdados, dependências diversas. Certamente, todas essas dificuldades para uma pessoa (aqui o caso é o jovem) com deficiência aumentam ainda mais. Porém, apesar dos preconceitos impostos, são rapazes e moças que amam, namoram e casam. E, na maioria dos casos, podem gerar filhos, criá-los e educá-los. Há riscos e dificuldades inesperadas, mas são barreiras que eles têm condições de discutir e resolver.
As soluções para os problemas dessa natureza surgirão com uma boa inclusão social. Quanto mais amigos e participação nas atividades jovens, mais chances haverá em relação ao amor ou até mesmo ao sexo. Isto porque se eles(as) participam de um grupo e de suas atividades, serão sempre vistos pelas suas qualidades de pessoa normal e nunca com os preconceitos iniciais de quem os veem pela primeira vez.
É válido, aqui, abrir espaço para uma séria denúncia: o mau uso da sexualidade!
Há, atualmente, muitos casos de pessoas com deficiência que, por falta de orientação e acompanhamento (ou até mesmo rejeição), tornam-se homossexuais, prostitutas e viciados em drogas. Porém, esse problema não é bem deles: é consequência da nossa incapacidade social e das ideologias socioculturais.
Outro problema é em relação ao comportamento negativo dos pais. Antes da existência dos motéis, os pais, num gesto de machismo, ao ver o filho “normal” entrar na puberdade, encaminhava-o às prostitutas. O mesmo está acontecendo hoje em dia com pais de jovens com deficiências mentais, embora exista a resistência das mães. Em São Paulo, já existem algumas casas de massagem com moças “preparadas” para manter relações com esses jovens. Há consequências terríveis: esses rapazes não estão preparados para esta experiência, concentra-se no prazer e querem repeti-lo todos os dias.
Uma vez num Congresso em São Paulo, um pai de um rapaz com paralisia cerebral contou-nos que contratava moças e servia de motorista para levá-los a um motel. Isto, ao meu modo de ver, tem dois lados: o positivo em que ele reconhece que o filho também é um homem e tem suas necessidades e desejos – e talvez não se satisfaça mais com uma simples masturbação – e, pelo lado negativo, ele estava facilitando a vida do filho sem dar-lhe direito a ir à luta por si mesmo.
Mas como ir à luta? Ele deveria incluir mais o filho entre as meninas de sua idade. Por exemplo, pegando amigos(as) do garoto, levá-los ao cinema, lanchonetes, convidando-os para frequentar sua casa e deixando-os sempre à vontade num papo descontraído. As moças iriam passar a vê-lo como outro rapaz qualquer, podendo depois até ter algo mais sério, o que ocorreria naturalmente e seria até mais gostoso. Ela (no caso já como parceira dele) naturalmente iria ajudá-lo a descobrir o melhor modo de se relacionar, buscando melhor prazer para ambos.

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